quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um significado científico para uma história significante


O filme brasileiro 'Narradores de Javé', dirigido por Eliane Caffé, exibido na aula da última quarta-feira (13.04.2011), trouxe uma importante reflexão sobre patrimônio. Palco desta história foi o sertão nordestino, que conta ou tenta contar, a origem de uma pequena vila, chamada de Javé.
Relacionando o contexto histórico do filme com a Antropologia, destaca-se a dificuldade de concluir um estudo etnográfico sobre aquele vilarejo. Depara-se com uma comunidade analfabeta, e que tem como missão, produzir um estudo 'científico'. No entanto, apesar da metodologia de pesquisa ser a mesma de um pesquisador - ir a campo e ouvir – o que muda neste contexto são as versões, nem sempre verdadeiras e fiéis aos fatos.
Javé é uma terra sem lei, pobre, formada por pessoas que pouco (ou muito) sabem dos seus antepassados. Ameaçados de terem que abandonar o local, pois uma usina hidrelétrica colocaria debaixo d'água aquela comunidade, o grupo de moradores decide formalizar a história e provar que Javé é um patrimônio histórico.

A estratégia é reunir documentos e memória em forma científica e, para isso, vão contar com a ajuda do único alfabetizado, Antônio Biá. A corrida contra o tempo é para provar que pertencem aquela terra. Até então, o registro de poder de terras era apenas falado, em troca da garantia do cultivo daquela extensão da propriedade.
A partir daí, o drama narra o artifício que Biá terá para 'florear' as histórias que lhe contam. Entre relatos javélicos, o escritor quer mostrar que  "uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito". Ao final, ele que tinha se comprometido em descrever as memórias de Javé, entrega um livro em branco. Argumenta que a construção da hidrelétrica servirá para o progresso de uma maioria, nem que isso tenha que valer o sacrifício de ver se afogar a memória dos seus antepassados.
O que chama a atenção, é que o filme passa impressões de tempos diferentes, o que acaba abrindo um leque de versões, que une presente, passado e futuro. Ou seja, a história começa a ser contada por um dos moradores de Javé, depois que tudo já havia acontecido, o que não se descarta que ele mesmo deu a sua própria versão. Uma espécie de ideia metalingüística, onde o presente é o tempo de narração do filme; o passado, o tempo de narração dos relatos dos moradores; e o tempo mitificado, que é da imaginação e da memória dos moradores, voltando ainda mais ao passado, de origem de Javé. Um verdadeiro telefone sem fio.
Fora das telas e da história cinematográfica, essa projeção leva a uma reflexão sobre as histórias que nos foram contadas sobre nossos antepassados. Biá estava certo, nenhum historiador será integralmente fiel aos fatos. Sempre haverão versões e 'floreamentos' na hora de transpor para o papel.
Querendo ou não, todos nós sofremos influências do nosso tempo. Neste sentido, vale dizer que nossos valores, cultura, costumes, religião, partido ou filosofia de vida, podem influenciar diretamente em alguma omissão de dado, ou na alteração de algum fato, mesmo que seja nosso dever repassar exatamente a informação como ocorreu e foi dita. No caso do filme, são tantas versões que, chegar ao final com uma história bem diferente do que a original é uma possibilidade bem próxima.


Ou seja,o filme traz a oposição entre história, memória e verdade – todas ligadas à cultura oral. Cada um dos personagens tem uma visão sobre a origem do lugar e o processo revela as relações de interesse e poder. Ela lida com mentes, idéias, e com o que é imprevisível no ser humano. Se as aparências enganam, a História também pode nos enganar porque é fruto do humano, dos nossos desejos, sonhos, anseios. 



Em 'Narradores de Javé', o povo viu suas histórias mergulharem. Debaixo d'água ficaram o que construíram em muitos anos; nas lembranças, as histórias. O simbolismo do sino da igreja foi levado do início ao fim do filme. O sino que tinha sido a única herança cultural dos primórdios daquela civilização, se tornava o primeiro objeto histórico que o povo de Javé começava a carregar. E é a partir dali que a história começa a ser escrita. Cabe a nós que vivenciamos o agora, registrarmos o hoje.
E será que nos livros de história, que registraram os mais importantes fatos do Brasil e do mundo, dos tempos que reproduziram guerras, lutas, impérios, de cem anos atrás ou até dois mil anos antes de Cristo, são reais? Diferente de Javé, nós temos registros e documentações históricas, mas que igualmente a Javé, foram também contadas. Nos resta apenas acreditar.
E a propósito, quem foi mesmo que descobriu o Brasil?

A importância da escrita para  a memória de um grupo
Os moradores de Javé sentiram a necessidade de escrever sobre seus “grandes feitos do passado” dada a ameaça iminente da construção de uma usina hidrelétrica que varreria o vilarejo e sua história. O “escrito científico” os colocaria no mapa e, com sorte, mudaria a opinião das autoridades sobre a construção da usina.
Escrever a história é sinônimo de mantê-la viva. Por meio da escrita é possível construir e expressar o conhecimento; seja por necessidade e obrigação, seja para que as gerações futuras fiquem a par do passado.
Percebe-se que, num primeiro momento, os moradores se reuniram para escrever a história de Javé pela necessidade, por uma questão de sobrevivência. Antes disso, eles não haviam sentido essa necessidade: o vilarejo estaria sempre ali. Após a inundação, o motivo é outro: manter viva a memória de algo que se perdeu, de um lugar importante que jaz no passado, submerso pelas águas.

A escrita, como as demais invenções humanas, faz parte de um ciclo que surgiu para satisfazer determinada necessidade desde as suas formas pré-históricas. Uma das funções adquiridas pela escrita foi a de armazenamento e circulação do conhecimento e da informação. A informação é tanta que é preciso registrar todos os acontecimentos, a fim de que tais bens culturais não se percam com o passar do tempo.

Parece-nos – e é uma especulação – que o ser humano recorre à escrita para provar o que é e o que foi real. Parece-nos ainda que também recorremos à leitura para provar a mesma coisa.

>>QUESTÃO PARA DEBATE

Quem está escrevendo os
 livros de histórias atuais?

Há tanta coisa acontecendo e quem atualiza os livros? Os autores se baseiam em que para fazer esse trabalho? No que sai na imprensa? No que é divulgado na mídia? Se sim, veja a responsabilidade tamanha de um comunicador! Pense no que tem acontecido e se a imprensa tem dado a real versão dos fatos. Quem contará os pormenores o fará baseado no jornal da oposição? No da situação? É preciso ter em mente a importância da comunicação para a história que é contada diariamente no mundo.


Grupo 2:
Letícia Eduarda Wacholz (moderadora), Cristiane Lautert, Andressa Marmitt e Marilene Schmitz

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