sexta-feira, 8 de abril de 2011

Construção da noção de moradia

O estudo antropológico tem como uma das formas de pesquisa, a observação participante. Este método etnográfico consiste na saída de campo e a análise contextual e fotográfica da pesquisa. Ou seja, viver junto, dialogar, conhecer, olhar de perto aquela realidade....


Para exemplificar o modelo, uma destas propostas nos foi apresentada em aula, no dia 30 de março. A professora Maria Helena Santana apresentou seu trabalho de dissertação, realizado na Vila Cai-Cai, hoje bairro periférico da zona sul de Porto Alegre. Intitulado de: ‘A Lógica da Habitação Reciclável. Estudo da Organização do Espaço e do Tempo em Uma Vila em Remoção em Porto Alegre – RS’, o estudo antropológico tratou a remoção dos moradores da “Vila Cai-Cai” para o “Loteamento Cavalhada”, na Capital Gaúcha.

Através da observação participante, a pesquisadora mergulhou na realidade vivida pelo grupo e apresentou um relatório sobre o que os moradores definiam ou entendiam como sendo a ‘vila’, o lugar que moravam, e a noção que tinham de moradia. O trabalho foi iniciado em agosto de 1993, encerrado em 1995, e defendido um ano depois.  O trabalho de campo abrangeu mais de 900 pessoas. O período de pesquisa serviu para acompanhar não apenas a realidade de habitar uma vila popular, às margens do Rio Guaíba, mas para acompanhar o processo de remoção das habitações irregulares para a zona sul da cidade.

A professora Maria Helena fez um uso importante no seu trabalho de campo: a fotografia. Em aula ela pode ilustrar o que era vivido pela comunidade. Através de fotos em slides, fomos inseridos para dentro do modo de vida dos moradores. Ver o pátio como extensão da casa, ter a possibilidade de montar e desmontar, aumentar e refazer a moradia; sentir-se livre em condições que a maioria considera sub-humanas, mas presos em um apartamento com água encanada e luz. Estes eram alguns dos conceitos dos moradores da vila a respeito da habitação. A concepção de moradia era 'diferente do convencional' para estes moradores da Cai-cai, distribuídos em aproximadamente 240 casebres.

As fotos foram um complemento essencial para o estudo etnográfico, e retratou a precariedade das casas construídas de sucata; do lixo cobrindo os terrenos e sendo escoado diretamente para o Guaíba, sem encanamento nenhum. Era também no ‘pátio’ que era fornecido o lugar do trabalho daqueles que em sua maioria, trabalhavam ali como catadores e faziam no mesmo ambiente de moradia, a separação do lixo. Por ali andavam crianças descalças, animais, além de gatos e cachorros, as galinhas e porcos. Ali se fez presente um importante simbolismo, o do pátio. O espaço em que se organizava a vida social, o convívio diário entre família e vizinhos. Algumas moradias sem luz, obrigava os moradores a ficarem por ali o dia todo, se recolhendo para casa, apenas na hora de dormir.

Na última aula – 6 de abril- , a professora Maria Helena retomou o assunto e lembrou que no seu processo de coleta de dado etnográfico, nas suas primeiras sessões fotográficas, utilizou filmes preto e branco. Estas mesmas fotos foram reveladas e mostradas aos moradores, que por sua vez, puderam apreciar com um outro olhar, o modo de vida deles. O interessante foi que as fotos não encaixavam com aquela auto-imagem que eles tinha deles próprios. O fato de a foto não ser colorida já era motivo de argumentação dos moradores da Vila. Além disso, as imagens focavam um espaço sujo, miserável.

A professora Maria Helena colocou que a cor foi um fator importante, e que ajudou a expressar um novo olhar dos moradores. O preto e branco nada destacou e deixou uma visualização uniforme em todos os aspectos, possibilitando uma análise crítica do espaço.

A observação participante rendeu ainda acompanhar o poder de decisão e os conflitos entre moradores e o Departamento de Habitação da prefeitura de Porto Alegre, que na época tinha como Chefe do Executivo, o atual governador do Estado, Tarso Genro. Um momento importante da observação participante foi descobrir que aqueles moradores não queriam abandonar suas casas de sucata e madeira velha, para se mudarem para construções que tivessem luz e saneamento básico, que ao ‘olhar’ da maioria garantiria condições dignas de moradia. Eles não queriam casas fechadas, com grades e portões. Não queriam casas como aquelas avistadas do outro lado do Guaíba, concretadas e acinzentadas. Verdadeiras prisões para eles. Eles queriam um pátio. Um lugar onde pudessem continuar tendo o mesmo modo de vida, social e de trabalho. Eles queriam um projeto de estrutura urbana que contemplasse a dinâmica de convívio diário.

Para Felix Keesing, "o homem tem despendido grande parte da sua história na Terra, separado em pequenos grupos, cada um com sua própria linguagem, sua própria visão de mundo, seus costumes e expectativas". Se os moradores da Cai-cai pensam a forma de habitar de modo diferente, é porque o meio em que foram criados os condiciona a fazê-lo. Mesmo eles, que vivem em condições de pobreza - sob nosso "olhar etnográfico" -, põem em questionamento o modo como os indivíduos "da cidade" vivem em seus apartamentos fechados. Aceitar que a forma de entender as coisas não é a única, nem a mais correta, é o primeiro passo para a co-existência pacífica dos grupos.


CONTEÚDO EXTRA
Abaixo apresentamos dois documentários, um fala sobre exclusão social e o segundo trata de diferentes significados que as pessoas dão para as coisas.

ILHA DAS FLORES, diretor Jorge Furtado
Ele coloca em pauta a discussão acerca da pobreza, da fome e da exclusão social. Levando-se em conta que foi produzido em 1989, dá para perceber que as coisas não mudaram muito entre o Brasil daquela época e o de hoje.

ESTAMIRA, diretor Marcos Prado
Marcos Prado, diretor do documentário que toma emprestado o nome dessa mulher, a conheceu fazendo fotos em Gramacho. Em troca de posar para alguns instantâneos, Estamira pediu que o então fotógrafo sentasse a seu lado e com ela conversasse por alguns minutos. Foi o suficiente para que Prado ficasse fascinado com o que, mais tarde, chamou de “cosmologia de Estamira”: a visão de mundo, misturada com delírios e juízos da personagem, que se indigna contra o “trocadilo”, o “poderoso ao contrário” e que vê as estrelas e a Lua presentes aqui na Terra, sendo o céu apenas um reflexo, espelho do que está embaixo.

Grupo 2:
Letícia Eduarda Wacholz (moderadora), Cristiane Lautert, Andressa Marmitt e Marilene Schmitz

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