quarta-feira, 23 de março de 2011

O Rio é Funk! O Funk é Cultura!

           Dia 27 de maio de 2008, foi aprovada uma lei que estabelecia uma série de normas para realização de eventos como raves e bailes funk em comunidades do Rio de Janeiro. Exigências como pedir a autorização à Secretaria de Segurança Pública com, no mínimo, 30 dias de antecedência, apresentar um comprovante de tratamento acústico para o local da festa e contratar uma empresa de segurança que tenha autorização da Polícia Federal, levaram a lei a ser vista como uma proibição desses eventos populares. O autor de dessa lei foi o deputado cassado Álvaro Lins, ex-chefe de polícia no governo de Rosinha Garotinho e o objetivo era diminuir o tráfico de drogas e a violência que estava fora de controle nesses tipos de festas.
Mais de um ano se passou e depois de muitos protestos e bailes proibidos acontecerem, dia 1º de setembro de 2009, os deputados estaduais do Rio votaram a favor da revogação da lei e na mesma sessão aprovaram o projeto de lei que define o funk como movimento cultural. Segundo a assessoria da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), que aprovou a lei de Álvaro Lins e depois a revogação dela, os assuntos relativos ao funk passariam a ser tratados, prioritariamente, pelos órgãos de cultura do estado.
Desde os fatos citados os bailes funk acontecem com frequência em todo Rio de Janeiro e na maioria das vezes ainda são relacionados ao crime, ao tráfico, à violência. Frequentemente a polícia sobe os morros para interromper bailes e apreender armas e drogas mostrando que, realmente, esses eventos podem sim representar perigo para a sociedade e para os jovens moradores das comunidades onde eles ocorrem. No entanto organizações como a Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), formada por jovens do Rio que vivem desse movimento e o filme etnográfico passado na aula de Antropologia Cultural nos mostram um outro lado dessa história, lado em que o movimento funk aparece como produto da desigualdade em nosso país, como grito de liberdade do jovem negro e pobre que mora na favela, e que além de sua relação com a violência e com o crime, ele pode ser uma forma desse jovem esquecer de todos problemas que o rodeiam e se divertir.
A verdade é que ao longo dos anos ficou cada vez mais difícil dissociar o Funk do crime no Rio de Janeiro, os bailes funk então se tornaram um exemplo de festa da criminalidade, mas também é claro que se nos interessarmos em saber como as coisas realmente acontecem e porque, é bem possível que façamos essa separação e enxerguemos o Funk como movimento cultural do povo brasileiro.
Para ilustrar o que foi dito segue um depoimento da nossa colega Ana Cláudia Müller que passou alguns anos morando no Rio e frequentou bailes funk e as algumas comunidades de lá:


Vista do quarto da Ana.



Antes o funk era um movimento que retratava o cotidiano nas favelas. Falava de pobreza e violência. Era cantado e dançado em bailes nas comunidades. Caracterizava essa parcela marginalizada da sociedade. No entanto, o funk, com seu ritmo dançante, ganhou espaço e hoje é um dos preferidos em festas no “asfalto” carioca e chegou até aqui no sul.
Quem não conhece “Claudinho e Buchecha”? Com eles, as letras de funk ganharam outros temas, mais românticos e menos politizados. Quem nunca foi em uma festinha onde as músicas que animavam eram o funk da dupla? Foi assim que eu conheci essa batida. Nas antigas festinhas de garagem tinha que tocar “Xereta”, “Nosso Sonho”, “Só Love” e tantas outras. A partir daí vieram outros hits que viraram febre por aqui. Até entrar na onda dos proibidões. As mães enlouqueciam quando escutavam a gente cantando, empolgadíssimas: “67, patinete, abre as perna a gente...”. Vale lembrar que na época a gente nem entendia o que estava cantando.
Desde esse tempo, sempre gostei de funk. Não pra ouvir em casa, num momento zen, mas quando tocava nas festas eu ia à loucura. Mas eu só fui entender o que é o funk mesmo e o que esse estilo musical significa de verdade quando eu passei uma temporada morando no Rio. Fiquei 4 anos por lá (ótimos anos por sinal). No começo, não perdia a festa “Eu amo baile funk”, que acontecia no Circo Voador, um lugar freqüentado pela classe média no meio da Lapa. Os funkeiros cantavam antigos hits, alguns que eu nunca ouvi, que nunca chegaram aos nossos ouvidos aqui no sul. Músicas que, sem usar palavras de baixo calão e sem falar em violência, contavam um pouco da realidade de quem vivia na favela. “Era só mais um Silva, que a estrela não via. Ele era funkeiro, mas era pai de família” virou a minha favorita.
Mas não pára por aí. Depois de dois anos, fui pela primeira vez ao verdadeiro baile funk carioca. Conhecido como “Castelo das Pedras”, o baile fica em meio a comunidade do Rio das Pedras, um local onde quem manda é a milícia. Essa festa era patrocinada pelo dono do local, um ex policial militar que agora não me lembro o nome. Só sei que vi no telejornal uns anos mais tarde que o cara foi morto pela polícia. No “Castelão” (apelido carinhoso) era possível distinguir exatamente quem era quem e a que classe pertencia. Quem vinha na Zona Sul (era meu caso) ficava no camarote, que na época custava 7 reais. Já o pessoal da comunidade ficava agitando na pista. Era gritante a diferença e como as pessoas não se misturavam por nada. A preferência da classe média e alta pelo baile do Rio das Pedras tinha uma explicação. No local não tinha tráfico de drogas, portanto, era considerado “seguro”.
O mais marcante pra mim aconteceu quando eu entrei num grupo de teatro chamado Nós do Morro. Era uma escola, um projeto social e ao mesmo tempo uma Companhia profissional que tinha sua sede no meio da Favela do Vidigal. Me apaixonei pela causa, pelo lugar e pelas pessoas. Entendi o conceito de comunidade, e, é claro, conheci o baile funk de lá. No Vidigal quem manda é o ADA (Amigos dos Amigos, o antigo Terceiro Comando) e são eles que patrocinam os bailes que acontece sempre nas sextas feiras, na rua mesmo. Um dia, morrendo de medo, acompanhada pelos meus amigos de lá, fui ao tal baile. Tirando os homens armados (como se não fosse o suficiente) o resto é como nos outros locais. Pessoal dançando até o chão, “quicando”, fazendo a festa. Sempre vemos na tevê que a sem-vergonhice (pra não usar outras palavras) rola solta nesses locais, mas estando lá eu nunca vi, ou seja, não é tão explicito assim. No meio da madrugada, entre uma música e outra, começa a tocar uns funks com letras enaltecendo essa facção e falando mal do Comando Vermelho. Foi aí que eu me lembrei que eu não tava na “Disney”, e que sim, qualquer coisa podia acontecer. Hora de ir embora. Voltei ao baile do Vidigal mais algumas vezes, sempre acompanhada dos meus amigos de lá. Por forças maiores, acabei indo morar no morro e percebi que chega uma hora que, lamentavelmente, a gente se acostuma com os homens armados e começa a se sentir razoavelmente tranqüila, até para ir ao baile.
Nesse tempo que passei no Vidigal, conheci pessoas que ganharam vida fazendo funk. Aí tu percebe que tem muita gente boa e talentosa se destacando e ganhando uma chance de melhorar de vida assim. É o caso do MC Bala. Ele estourou no funk carioca com a música “Desce com o Bala, oiê!”. Como ele era meu vizinho, vi ele comprar um carro, trocar de carro, colocar uma piscina na “laje”. Tudo isso com o dinheiro que ganhava fazendo shows. Perguntava pra ele: “Porque tu não aproveita e compra uma casa ou um apartamento fora daqui?” Resposta: “ E sair do Vidigal, nunca!” Ok, o pior é que, em partes, eu entendo.

Ana Cláudia Müller

Fontes:




Grupo 9: Ana Cláudia Müller, Andréia Bueno, José Roberto S. C. Sobrinho (moderador), Lindiara Hagemann, Maira Farinon.

"É nós! Fé em Deus!" Haha!

2 comentários:

  1. Lindiara Hagemann:

    Não podemos negar que ao longo dos anos a música funk mudou suas características, mas isso não significa que perdeu a sua cultura. Podem não ser muitas, mas existem pessoas nas favelas que realmente se dedicam ao funk como "cultura", que fazem disso a sua vida. Assim como a Ana comentou, existem pessoas realmente talentosas e que aproveitam essa oportunidade para tentar melhorar de vida.

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  2. Ana,adorei teu relato.Muito legal.Vania Soares

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