quarta-feira, 18 de maio de 2011

Então.. Quilombolas!

Como assistimos na última aula o documentário sobre as comunidades quilombolas em Alcântara segue abaixo um texto extraído do blog http://marciorene.blogspot.com/ escrito pelo autor do blog Marcio Renê sobre a Comunidade de Conceição dos Caetanos e diversos problemas que quilombolas enfentam.


Comunidade de Conceição dos Caetanos não quer perder tradições

Marcio Renê
Longe do tempo em que seus antepassados viviam sob a ameaça dos açoites dos senhores de engenho, hoje grande parte dos quilombolas enfrenta outro inimigo: o preconceito dentro das próprias comunidades. “Os jovens não querem se assumir quilombolas, têm vergonha”, lamenta a professora Maria Sandra Caetano, uma das lideranças da comunidade de Conceição dos Caetanos, localizada no município de Tururu, distante 130 quilômetros de Fortaleza.
As casas são cortadas por uma longa avenida de terra de batida. Há uma escola e uma creche, que servem também aos povoados vizinhos. Posto de saúde ainda não tem. Energia elétrica ainda não chegou para todos. Do tempo do quilombo, o pouco que resta se perde na memória dos moradores mais velhos.
Ali residem cerca de 230 famílias, que sobrevivem basicamente da agricultura de subsistência. Deste total, estima-se que em torno de 20% sejam de quilombolas puros. O restante tem descendência quilombola, mas é fruto de casamentos de negros com brancos ou pardos vindos de outras partes. As misturas começaram a ocorrer em meados dos anos 70, com a migração de moradores para a Capital e a conseqüente venda de propriedades.
Há 30 anos, conta Sandra, eram inaceitáveis as uniões de quilombolas com outras raças. Quaisquer sinais de relacionamentos de quilombolas com forasteiros eram vistos como verdadeiros escândalos. Por isso, casamentos entre parentes aconteciam com freqüência. Na última década, contudo, virou tarefa quase impossível impedir a mistura de raças, já considerada normal pela maioria.
O fato, contudo, é visto com ressalvas até por moradores como Maria Medina Caetano Lima, ela mesma casada com um não-quilombola, com que teve três filhos. “Meus filhos são quilombolas como eu. O fato de ser só por parte de mãe não faz deles menos quilombolas”, declara.
O problema, opina Medina, é a falta de incentivos para que as novas gerações, não apenas assumam, mas também tenham orgulho de sua condição. “Não tem um projeto de valorização, que não seja só em datas comemorativas”, denuncia.
Ela se refere às comemorações pelo Dia da Consciência Negra, que coincidem com os festejos de Nossa Senhora das Graças, padroeira da comunidade. Na programação da novena, está prevista, para amanhã, uma missa afro, cujos ensaios começaram há duas semanas. A movimentação contagia a comunidade, mas o ânimo logo arrefece. “Fora isso, no resto do ano, não tem nada. O pessoal esquece das tradições”, revela. “Eu passo o que eu sei para os meus filhos, que já foi minha mãe que me passou. Mas vai se perdendo. Se continuar assim, a tendência é se acabar”, conclui.
Reconhecida, Conceição dos Caetanos é uma das 16 comunidades reconhecidas pelo Incra no Ceará. Técnicos do órgão, informa Sandra, já visitaram a região mais de uma vez para iniciar as análises referentes a concessão do título definitivo daquelas terras aos quilombolas.
O processo aberto inclui ainda a comunidade de Água Preta, também em Tururu, originada em grande parte de quilombolas egressos de Conceição dos Caetanos. Para Sandra, “a titulação das terras seria uma etapa importante para esse povo ter orgulho do que é. Mas antes é preciso que os quilombolas entendam sua importância e o que representam”.
QUILOMBOLA, EU? - Muitos jovens não aceitam origens
Tururu. Conceição dos Caetanos. Turma da 9ª série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano José da Costa. Ao serem perguntados se sabiam quem era a personalidade que emprestava seu nome ao local onde estudavam, dos cerca de 20 alunos presentes, apenas um levanta o braço em resposta afirmativa. “Eles estão tímidos”, minimiza a diretora Hilzete Batista Bonfim, para logo depois reconhecer que está cada vez mais difícil envolver os estudantes a tomar parte no passado - e no futuro - de sua gente. “Essa meninada não quer essa ligação com os escravos, se sentem inferiores por isso”, diz ela.
Hilzete diz que, com o passar dos anos, vai se tornando cada vez mais difícil mobilizar os jovens para participar de manifestações como a missa afro. Ela lembra que, no desfile da Independência do Brasil do último dia 7 de setembro, o tema na comunidade foi a abolição da escravatura, mas ninguém queria fazer o papel dos escravos. “É um absurdo. A chamada consciência negra não pode morrer nas gerações mais velhas”, afirma. “Os escravos são vistos pelos mais novos como perdedores, quando deveriam ser lembrados pela força, pela garra”, enfatiza.
O estudante Adailton Caetano considera-se “uma raridade” entre os jovens de sua idade. Ele integra o grupo que se apresenta na missa em memória de Zumbi, durante os festejos de Nossa Senhora das Graças e ganha algum dinheiro fazendo penteados afro. “Faço o que posso, mas nem todo mundo pensa como eu; ao contrário, tem vergonha”, diz.
Um local impregnado de história, como é Conceição dos Caetanos, só consegue se fazer conhecida através de iniciativas pontuais, a exemplo do que faz a professora Fátima Ceciliana Moura. Quilombola “com muito orgulho”, ela ensina História e Geografia. “É difícil a luta para que as tradições não desapareçam. Os meninos não querem assumir suas origens”, admite.[
Era muito melhor antes, mais sossegado, diz Pedro Manoel Caetano, Agricultor

Aos 80 anos, a memória do agricultor Pedro Manoel Caetano já começa a lhe pregar peças. ´Minha cabeça está ruim´, diz com a voz quase ininteligível. A audição também já não é das melhores. A despeito das limitações impostas pelo tempo, vai para a lavoura todos os dias. A escola, não freqüentou. ´Só sei capinar´, conta.
Casado há 50 anos com uma das mulheres mais respeitadas de Conceição dos Caetanos, Maria Caetano de Oliveira, a Dona Bibiu, sua prima, Pedro está no segundo matrimônio. Do primeiro saiu viúvo, depois de sete anos de união. Filhos são 14. É com saudade que ele fala do passado. ´Era muito melhor antes, mais sossegado. Não tinha essa misturada. A gente vivia a nossa vida em paz, sem esse negócio de quilombola. Isso é coisa de agora´, resmunga.
Pedro é o mais velho de dez irmãos. Os outros vivem na Capital. ´Eu nunca quis. Fortaleza é só para passear. Bom é aqui e é aqui que eu vou me enterrar. Mas ainda vai demorar´.
CAETANO JOSÉ DA COSTA - História do fundador é conhecida por poucos
Liberto, o escravo Caetano José da Costa saiu de Pacoti, no Maciço de Baturité, em 1887 e, por 200 mil réis, adquiriu as terras onde foi fundado o quilombo de Conceição dos Caetanos. Os poucos registros oficiais sobre a história do lugar e os “causos” que contam os moradores mais antigos, como a aposentada Maria José Caetano, de 61 anos, dão conta de que ele se instalou na região ao lado da esposa Maria Madalena da Paz e dos 12 filhos.
As posses da família, além das terras, incluíam apenas um animal de carga, um tear e um caixão de madeira, onde era armazenada farinha de mandioca. Aos poucos, primos e outros parentes chegaram ao local. Os casamentos eram realizados entre primos e a presença branca, nula.[
Quase não há documentos da época, apenas um caderno, manuscrito, redigido a partir de contribuições de estudantes. “Uma das nossas maiores dificuldades é reconstruir as origens dessas comunidades. A memória delas não é preservada”, ressalta a antropóloga Marta Magalhães.
QUILOMBOLA – O QUE SÃO: Local isolado, formado por escravos negros fugidos... Esta talvez seja a primeira idéia que vem à mente quando se pensa em quilombo. Se pedirem um exemplo, o Quilombo de Palmares, com seu herói Zumbi será certamente a referência mais imediata.
Essa noção remete-nos a um passado remoto de nossa História, ligado exclusivamente ao período no qual houve escravidão no País. Quilombo seria, pois, uma forma de se rebelar contra esse sistema, seria onde os negros iriam se esconder e se isolar do restante da população.
Consagrada pela “História oficial”, essa visão ainda permanece arraigada no senso comum. Por isso o espanto quando se fala sobre comunidades quilombolas presentes e atuantes nos dias de hoje, passados mais de cem anos do fim do sistema escravocrata.
Foi principalmente com a Constituição Federal de 1988 que a questão quilombola entrou na agenda das políticas públicas. Fruto da mobilização do movimento negro, o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) diz que:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.”
A concretização desse direito suscitou logo de início um acalorado debate sobre o conceito de quilombo e de remanescente de quilombo. Trabalhar com uma conceituação adequada fazia-se fundamental, já que era isso o que definiria quem teria ou não o direito à propriedade da terra.
No texto constitucional, utiliza-se o termo “remanescente de quilombo”, que remete à noção de resíduo, de algo que já se foi e do qual sobraram apenas algumas lembranças. Esse termo não corresponde à maneira que os próprios grupos utilizavam para se autodenominar nem tampouco ao conceito empregado pela antropologia e pela História.
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), na tentativa de orientar e auxiliar a aplicação do Artigo 68 do ADCT, divulgou, em 1994, um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais em que se define o termo “remanescente de quilombo”:
Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar.”
Deste modo, comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade.
É importante deixar claro que, quando se fala em identidade étnica, trata-se de um processo de auto-identificação bastante dinâmico, e que não se reduz a elementos materiais ou traços biológicos distintivos, como cor da pele, por exemplo.
A identidade étnica de um grupo é a base para sua forma de organização, de sua relação com os demais grupos e de sua ação política. A maneira pela qual os grupos sociais definem a própria identidade é resultado de uma confluência de fatores, escolhidos por eles mesmos: de uma ancestralidade comum, formas de organização política e social a elementos lingüísticos e religiosos.
Esta discussão fundamentou-se também nos novos estudos históricos que reviram o período escravocrata brasileiro, constatando que os quilombos existentes nessa época não eram frutos apenas de negros rebeldes fugidos. Eram inúmeros e não necessariamente se encontravam isolados e distantes de grandes centros urbanos ou de fazendas.
Esses estudos mostraram que as comunidades de quilombo se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.
O que caracterizava o quilombo, portanto, não era o isolamento e a fuga e sim a resistência e a autonomia. O que define o quilombo é o movimento de transição da condição de escravo para a de camponês livre.
Tudo isso demonstra que a classificação de comunidade como quilombola não se baseia em provas de um passado de rebelião e isolamento, mas depende antes de tudo de como aquele grupo se compreende, se define.
Atualmente, a legislação brasileira já adota este conceito de comunidade quilombola e reconhece que a determinação da condição quilombola advém da auto-identificação.
Este reconhecimento foi fruto de uma luta árdua dos quilombolas e seus aliados que se opuseram às várias tentativas do Estado de se atribuir a competência para definir quais comunidades seriam quilombolas ou não. O auto-reconhecimento garantido no Estado do Pará desde 1999 (Decreto nº 3.572, de 22 de julho de 1999) só foi estabelecido na legislação federal em novembro de 2003, através do Decreto nº 4.887.


Grupo 9: Ana Cláudia Müller, Andreia Bueno, José Roberto S. C. Sobrinho (moderador), Lindiara Hagemann, Maira Farinon.

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